Três décadas dedicadas à “acupuntura entomológica”  Na UFSM, o ofício de Zilma é montar insetos. Em casa, não mata nem formiga.
Foto: Géssica Valentini
Um a um, os insetos vão sendo ajeitados. As patinhas minúsculas esticadas, as antenas - mais finas que um fio de cabelo - arrumadas com zelo. O trabalho exige toda atenção e cuidado de Zilma Barbosa da Costa, 61, aposentada, mas persistente na profissão que muitos desconhecem existir. O nome “acupuntura entomológica” é uma brincadeira dos alunos, pois a acupuntura trabalha com agulhas e a palavra ‘entomologia’ vem do grego e significa ‘estudo dos insetos’. Na verdade, a profissão de tia Zilma, como é conhecida, é montadora de insetos.
Ela começou a trabalhar na UFSM no dia 24 de julho de 1978. Durante três anos, seu ofício era cuidar do jardim e desempenhar outras atividades do campo, no Centro de Ciências Rurais. Até o dia em que um professor colocou em sua mão uma lagarta da soja e do milho e perguntou se ela tinha medo. “Como eu não gritei, nem tirei, ele me convidou pra trabalhar com isso”.
Lá foi ela, mas nos primeiros meses só trabalhando com a tal lagartinha. Cuidava dela, viva, até se transformar em borboleta.
Logo, ela foi incumbida da missão de ajudar os alunos a montar os insetários – atividade obrigatória em algumas disciplinas no CCR - e aí se tornou montadora de insetos. Ali, os alunos e professores trazem os insetos vivos. “Coloco na geladeira e eles morrem de frio. Depois, eu tiro e começa o trabalho para colocá-los no insetário”. Isso ela faz sem medo nenhum, mesmo. Uma de suas façanhas foi cuidar de 19 bichos-pau, como costumeiramente chamam o inseto que é parecido com um graveto. Seu passatempo era colocá-los no corpo e deixar passeando...
Outra vez, trouxeram um filhote de caranguejeira. Em vez de matar, ela pôs o nome de Genoveva, colocou num recipiente – uma cuba - e alimentou com baratas e lagartas, até a aranha ficar adulta. “Aí alguém deixou a cuba aberta e ela fugiu”. Vinte dias depois, a caranguejeira apareceu e ela mandou soltar, sem coragem para matar. O fato revela uma Zilma que perdeu a conta de quantos milhares de bichinhos já matou, mas ali. “Em casa não mato nenhuma formiga, acho uma judiaria”.
Nem mata, nem deixa que matem. Como não tem filhos, ela conta que ensina os sobrinhos a cuidar da natureza. Em troca, eles ensinam como ela deve ser. “Eles me fizeram prometer que quando eu ficasse mais velha, não ia ficar rabugenta. E eu estou cumprindo”.
Ali ela é tia Zilma, numa família constituída por alunos, estagiários, professores, funcionários. Todo mundo a conhece. “A primeira vista acham que eu sou brava, cheia, mas à medida que vão convivendo percebem que eu não sou assim, é só a cara mesmo”, Zilma ri de si mesma.
Depois, eles acabam precisando da ajuda dela e ela faz questão de ensinar, “pois sei que depois, quando eles forem trabalhar, vai ser importante conhecer cada inseto, saber como eles prejudicam as plantas”, ela afirma.
“Aprendi a gostar, hoje eu adoro. Me aposentei, mas continuo aqui”. Segundo ela, não há nenhuma perspectiva de parar de trabalhar. Sua maior satisfação: “Poder ensinar e, ao mesmo tempo, sempre aprender”.
Perfeição? “Impossível! Sempre tem um errinho”, mas ela sabe muito bem fazer o que faz. Depois de 31 anos, 11 meses e 14 dias, ninguém duvida!
Géssica Valentini - gessicavalentini@yahoo.com.br
7º semestre/jornalismo
8/7/2008
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