Quando o trabalho incomum se torna um hábito Edgard montando uma das aulas de Anatomia Humana.
Foto: Lucas Faustino
Edgard da Rosa Santurion, 63 anos, é formado em Educação Física e Técnico em Anatomia e Necropsia. Seu local de trabalho é o Departamento de morfologia, prédio 19, onde teve inclusive algumas aulas na época da graduação. Antes de prestar concurso para a UFSM, trabalhou doze anos em escolas estaduais da cidade, entre elas os colégios Manuel Ribas e Profª. Maria da Rocha.
Edgard completa 22 anos de trabalho na Universidade no próximo dia 8 de julho. Ele já é aposentado, mas continua trabalhando porque ainda pretende fazer alguns cursos de qualificação e melhorar sua condição financeira.
A opção pelo Técnico em Anatomia e Necropsia foi por ser a área mais próxima dos conhecimentos adquiridos na graduação. Além disso, afirma que “não pode ficar muito tempo parado e, por isso, não gostaria de ocupar um cargo em que tivesse de ficar o dia inteiro atrás de uma mesa”.
O trabalho como técnico consiste em montar as aulas práticas para as disciplinas de Anatomia Humana e Veterinária. Os professores preenchem um formulário com a indicação das peças anatômicas que vão utilizar. Edgar e outros dois funcionários providenciam o pedido.
Trabalhar diariamente com cadáveres humanos, para a maioria das pessoas, não é um ofício comum. Contudo, após mais de duas décadas exercendo a profissão, Edgard afirma que o trabalho acabou tornando-se um hábito. Segundo ele, “as pessoas até perguntam se não dá um pouco de medo ao sair do prédio à noite, se não causa pesadelos, mas na verdade isso nunca chegou a ocorrer”.
Edgard e seus colegas de trabalho estão de tal modo acostumados com a profissão que se referem a algumas peças de estudo de uma maneira um tanto quanto peculiar. Sem descuidar do respeito ao ser humano e ética profissional, os cadáveres são tratados por “apelidos carinhosos”, como ele mesmo menciona. Assim, pelos corredores do prédio, é normal ouvir que determinado jogador de futebol ou personalidade política tem de ser levado para uma das salas.
Segundo Edgard, “as pessoas em geral desconhecem as funções ligadas à área e confundem algumas situações, como o processo de liberação dos cadáveres para estudo”. Hoje as peças vêm do Instituto Médico Legal de Porto Alegre e, além da demora causada pela legalização, possuem custo muito alto. O desconhecimento com relação ao processo leva a um fato bastante curioso. Algumas pessoas, alegando estar com uma doença grave e sérias dificuldades financeiras, procuram o departamento para vender o corpo após o óbito.
Muitas das peças utilizadas nas aulas de Anatomia possuem mais de vinte anos. Isso só é possível devido ao alto grau de conservação do formol, produto químico usado na preparação das peças anatômicas para estudo. O produto, no entanto, é bastante prejudicial à saúde e possui cheiro forte.
O contato com o formol e o ácido fênico, usado como antibactericida, é apontado como a maior dificuldade no trabalho. Este último produto é também o responsável pela cor escura dos cadáveres, uma das dúvidas mais recorrentes entre as pessoas que visitam o local.
Lucas Faustino da Silva – lucasfaustino@gmail.com
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