Aids não mata, preconceito sim.Depoimento - por Juliana Mostardeiro
Maria Isabel (nome fictício), 58 anos, é doméstica, moradora da Vila Itagiba e convive com a AIDS há quase dez anos. Ela contou sobre sua infância pobre, sem luxos e sem conforto, vivida na zona rural.
Percorria, aproximadamente, 10 km a cavalo para poder estudar. Órfã cedo, ela e os irmãos passaram a morar com a avó.
Com 15 anos, veio para a cidade, sem conhecer ninguém, e foi obrigada a viver em uma casa de prostituição para sustentar os seus irmãos. Lá conheceu o namorado, de quem acredita ter contraído o vírus HIV.
Maria Isabel lembra da sogra dizendo “eu tenho pena de ti” e conta que respondia “olha, minha sogra, eu não sou aleijada, tenho mãos e braços para trabalhar”.
Mas foi somente depois de algum tempo, quando fez seu primeiro exame no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), que passou a entender o significado da frase “eu tenho pena de ti”. Maria tinha se tornado soro positiva, ou seja, portadora do vírus HIV.
Ela lembra que foi preciso realizar o mesmo exame duas vezes e, somente, no segundo veio a confirmação de que havia sido infectada pelo vírus, que mais tarde desenvolveria a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), ou AIDS, como é mundialmente conhecida.
A notícia foi dada publicamente, no corredor do Hospital Universitário. “Eu já sei o resultado, tu tem o vírus da AIDS, tu vai morrer”. Maria conta que olhou e respondeu “eu não vou morrer não, senhora”. Saiu magoada devido à falta de discrição da profissional, que poderia ter falado sobre o resultado em uma sala reservada.
Desesperada, ela saiu pelos corredores do hospital, procurou um táxi e pediu para que o motorista a levasse até a antiga Garganta do Diabo. Pensava na morte, achava que não iria vencer o preconceito.
Mas o taxista não deixou que ela tirasse a própria vida, explicando a Maria que ela não deveria ter preconceitos, porque a doença já existia. E foi naquele momento que ela decidiu seguir a vida e enfrentar o julgamento das pessoas. “Sou bem feliz agora, mas, primeiro, tive preconceito”.
No entanto, ela lembra do período em que ficou em depressão e passou a freqüentar a ala psiquiátrica do hospital. Com a ajuda dos médicos, depois de um tempo, ela superou as crises. “Eu não vou dar importância pra isso, eu vou viver a minha vida”.
Hoje, ela ainda sofre com o preconceito, principalmente em relação ao atendimento odontológico. Nos postos de saúde, quando diz que tem AIDS, os dentistas preferem não atendê-la, com medo de serem contaminados pelo vírus do HIV.
Maria diz que não tem mais preconceito por ser soro positiva. Ela diz que isso acontece, tanto com o pobre, quanto com o rico. “Eu não sou de chegar e negar tudo, que não tenho o vírus; isso é uma coisa simples, hoje em dia tem tratamento”.
No início do tratamento, ela chegava a tomar dez qualidades de remédios por dia – o famoso coquetel. Hoje, bastam dois comprimidos.
Maria Isabel é querida por todos na vila onde mora, não esconde a doença e ainda cuida de cinco crianças que foram abandonadas pelas mães na porta de sua casa. “Não são meus filhos, mas considero como meus”.
A ajuda vem da comunidade e das garrafas PET que cata na rua, enquanto não sai a sua aposentadoria. Mesmo não tendo, muitas vezes, o que comer, Maria, além de cuidar de suas cinco crianças, procura ajudar as pessoas que estão na mesma situação, através da conversa e do apoio.
Mas, Maria, aos seus 58 anos, tem sonhos. Quer colocar suas crianças em uma escola e fundar uma Organização não Governamental (ONG) para tirar as crianças da rua.
Emociona-se e chora. “Esse desejo eu quero realizar na minha vida, pois é muito triste ver essas crianças pela rua sem um prato de comida”. Conta que quer uma casa para abriga-los. “Não precisa ser grande”.
O que mais chama atenção é de que, mesmo sem os familiares, já mortos, por perto, mesmo sem ter alimentos em casa todos os dias, mesmo sofrendo com o preconceito, Maria Isabel acredita na beleza da vida.
“A vida é tão bela, eu acho”.
Esta reportagem foi publicada no dia 19 de junho
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