2.1.5 Zagallo e o auxiliarNo jornal Folha de São Paulo e Zero Hora, Zagallo foi mostrado desembarcando no Rio (ver anexo A). A Folha o apresentava com um olhar confuso, e a legenda de foto indicava que ele “se irrita com o suposto auxiliar”15 , indicação cogitada de se realizar devido a sua campanha dirigindo a seleção nos EUA. No jornal Zero Hora, Zagallo também foi apresentado em foto, como se estivesse sendo abordado e surpreendido pelos jornalistas (ver anexo B), acompanhada do seguinte título: “Zagalo fica à espera de uma intervenção”
O subtítulo também reforçou a possibilidade da CBF em nomear um auxiliar para Zagallo. Seguindo a linha de raciocínio que se pretendia impor na matéria, o texto deu conta de salientar a intervenção que se anunciava amplamente nos meios jornalísticos, devido ao “fiasco” da seleção brasileira na Copa Ouro e ao “medíocre terceiro lugar” conquistado. Segundo o texto, Zagallo continuava com a história de que não existia um Zagallo para Zagallo, referência ao cargo ocupado por ele na Copa de 94. Por isso, no texto, foi transcrita a seguinte fala do técnico:
“Para mim esse assunto já está superado, já que na época em que assumi a Seleção, perguntei ao doutor Ricardo Teixeira quem seria o Zagalo do Zagalo e ele me disse que este cargo estava extinto, porque não haveria ninguém com a minha experiência para assumi-lo”
O texto também comenta que Zagallo continuava com a “ladainha” de que nada havia mudado na seleção e que a Copa Ouro servira como lição, da qual se pode tirar boas conclusões das atuações brasileiras, e que, mais uma vez, os resultados serviram para mostrar que o Brasil não era favorito para a Copa. No mesmo contexto, e compondo a mesma diagramação, surgiu outro subtítulo, abaixo da foto do treinador desembarcando no Rio, destacando o seguinte: “Ex-craques questionam os métodos do treinador”
Os ex-jogadores apresentados foram: Carlos Alberto Torres (capitão de 70), Tostão (também campeão em 70), e Junior (que disputou as Copas de 82 e 86). O mais contrário a Zagallo era Carlos Alberto Torres, que, segundo transcrições feitas na matéria, dizia que:
1 - “O Zagalo é um técnico superado”
2 - “O Zagalo manda os laterais subirem ao ataque, coisa que eu já fazia há 40 anos”
3 - “E essa história de número 1, que o Zagalo disse que descobriu, já existe há mil anos e não deu certo.”
Já Tostão e Junior foram mais amenos, Tostão comentou que Zagallo é que deve querer ou não um auxiliar; isso, segundo Tostão, deveria partir do próprio Zagallo, de sua vontade. Junior destacou que nunca viu uma seleção ganhar uma Copa sem um auxiliar, e que Zagallo deveria levar um, mesmo que fosse pelo aspecto de superstição16 .
O que se sucedeu, a partir daí, foi uma interminável disputa de querer e não querer o dito auxiliar. Vários nomes foram levantados pela imprensa como os possíveis ocupantes do cargo. Entre eles aparecem: Wanderley Luxemburgo, Luis Felipe Scolari, Nelsinho, Paulo Autuori e outros. Toda essa confusão terminou com a indicação feita pela CBF. O escolhido foi o ex-jogador Zico e tudo pareceu se encaminhar a um ‘Grande Final’, amplamente noticiado, fotografado e transmitido pela televisão.
Voltando ao retorno de Zagallo ao Brasil, dois títulos apurados na Folha de São Paulo resumiam o ataque em andamento:
- “Vão mandar o velho Lobo passear no bosque?”
- “Zagallo em xeque.”
O primeiro título fazia parte de matéria organizada pela equipe de articulistas da Folha de São Paulo, e indicava, entre outras coisas, que Zagallo parecia manter algumas “posições sentimentais” em relação a alguns postos específicos dentro da seleção, como por exemplo, os casos de Dunga e Taffarel. O técnico, segundo o articulista, teria um estilo muito “espalhafatoso” e se assemelhava muito ao “velho Jânio Quadros” quando intencionava se manter na boca do povo, só que, para o articulista, a “boca do povo hoje em dia entorta quando pronuncia o nome do técnico”. Mas, o mais interessante, mais uma vez, ficou por conta da caricatura que equilibrou a coluna. O desenho caricaturado parecia com Zagallo, que usava um chapéu semelhante ao da lebre maluca, de Alice no País das Maravilhas. A esse chapéu prendia-se um número ‘um’ vermelho, que era atado por um cordão que também prendia uma carga explosiva às suas costas. Um ovo parecia ter sido atirado nesse chapéu. O personagem da caricatura segurava um campo de futebol, desses usados para mostrar movimentações aos jogadores, o campo tinha dois furos, como se quisesse indicar que a concepção tática do treinador fosse ‘furada’. Ele ainda tinha um tênis enfiado em uma das mãos, que poderia sugerir a idéia de estar invertendo as coisas, como se diz na linguagem popular: ‘trocando os pés pelas mãos’17 (ver anexo C). A figura do velho foi utilizada, ao que parece, pejorativamente em todo o contexto; começando via título e terminando na caricatura, que indicava falência, envelhecimento, ou até mesmo a morte. Zagallo foi ligado às duas situações, na ocasião. Primeiro via título, Lobo, que é parte de seu nome; depois via caricatura, feita em cima de características fisionômicas suas. Zagallo foi duplamente envelhecido neste contexto. A caricatura sugeria um velho caquético, que incomodava, ocupando um lugar que não era mais seu, pois estava velho. Na sociedade, de um modo geral, essa imagem é associada a exemplos em que o velho é discriminado quando procura ou tenta manter-se em atividade, trabalhando e, na maioria das vezes, bate com a cara na porta. Uma dignidade não permitida mais em nossa sociedade. Segundo, o conceito pejorativo avoluma-se mais quando Zagallo é comparado a Jânio Quadros, pois o Presidente do Brasil ficou conhecido por suas atitudes. Jânio é lembrado por uma foto muito famosa, onde aparece com os pés virados um para cada lado, explorada na ocasião, na tentativa de criar sentido de como se ele não soubesse o rumo certo de seu governo. E a famosa frase de Jânio, que dizia que: “Forças ocultas querem me derrubar”. Ao comparar Zagallo com Jânio, direciona-se ou tenta-se induzir um juízo já posto no passado.
O segundo título foi a grande chamada. Tomou toda a parte superior na diagramação da página e discorreu sobre feitos do treinador no passado e, principalmente, sobre a sua irritação frente à possibilidade de trabalhar com outro treinador. Indicava que com a “má performance da seleção brasileira na Copa Ouro”, Zagallo parecia ameaçado em sua posição de técnico. A CBF, segundo o texto que se assemelhava ao de Zero Hora, nesse ponto, mostrava indícios de chamar um auxiliar para o técnico brasileiro 18.
Já Paulo Roberto Falcão, em sua coluna no jornal Zero Hora, referindo-se ao período de incertezas, resumia suas preocupações em relação ao:
“Sistema defensivo – Não sei quem será o auxiliar de Zagalo, mas torço para que seja um especialista em organizar defesas. O maior problema da Seleção é o seu sistema defensivo. Do meio para a frente os craques resolvem.”
Esse foi o comentário inicial realizado na coluna, substituindo o título em sua posição tradicional. O título veio logo abaixo, indicando a posição de Falcão ao opinar que o auxiliar que vinha anunciando-se deveria ser: “O segundo técnico”.
Depois do título, Falcão destaca os nomes já especulados por outros jornais para o cargo de auxiliar, e diz que não parecia mais haver dúvidas de que Ricardo Teixeira escolheria um auxiliar para compor com Zagallo uma dupla de técnicos. Falcão pontuava no texto que o escolhido deveria compartilhar “das idéias táticas” de Zagallo e acima de tudo ter personalidade para questionar Zagallo quando necessário. Fechando assim o ponto de vista por ele defendido de que o escolhido deveria entender de organização defensiva, sua maior preocupação19 .
Wianey Carlet, outro colunista do jornal Zero Hora, um dia depois de Falcão ter escrito sobre as suas preocupações em relação ao auxiliar de Zagallo, cobrou do colega colunista o seguinte: “Puxa, Falcão, que idéias?”20 Carlet se referia às indicações que Falcão fizera em relação à condição do auxiliar de Zagallo. Para ele a sugestão de que o auxiliar deveria entender as idéias de Zagallo era impossível, visto que este não as tinha.
Como já antecipado, essa “pendência futebolística” durou até a chegada de Zico.
Nesse contexto, Zico assumiu sua função na seleção e começou a trabalhar na partida amistosa entre Brasil e Alemanha, em Stuttgart (2 a 1). Interessante observar a foto publicada pela Folha de São Paulo, durante o treinamento da seleção na Alemanha: no recorte fotográfico, o auxiliar Zico apareceu em primeiro plano em posição quase que de sentido à frente do técnico. Zagallo vinha atrás dele, um pouco abaixado, parecendo entrar em sua sombra. Os dois olham na mesma direção, o olhar de Zico parecia mais impositivo (ver anexo D). Isso talvez não representasse muita coisa, mas Zico já estava à frente de Zagallo por vontade de alguém.
Depois o Brasil enfrentou os Argentinos no Maracanã e perdeu por 1 a 0, novamente apoteóticas considerações desandaram pelos meios e, enfim, a seleção foi convocada para a Copa, para que em dezoito dias estivesse apta a estrear frente aos escoceses na partida de abertura. Era o Brasil rumo ao penta, ou como repetia aquela chamada televisiva, “todo mundo tenta, mas só o Brasil pode ser penta! ”21
Sintetizando o anteriormente descrito e analisado, pode-se sugerir que talvez os jornalistas responsáveis pela elaboração das matérias relatavam ou tentavam traspassar a idéia da confusão que foi a convocação para a Copa Ouro. Isso pode ser visto na colocação ou disposição dos temas abordados (Bad – Boys, burocráticos e inventivos). “Bad – Boys” serviu para uma interpretação ambígua, que por sua vez se prestou para dificultar a clareza da informação. Como também os “burocráticos” serviram para o mesmo fim. Como entender taticamente o que se pretende com a exposição desses temas no futebol? Como eles se caracterizam? Seria possível implementá-los? E mais ainda, logo em seguida, o termo ou o sentido do que se pretende “inventivos” é disposto de forma antagônica aos burocráticos do futebol. Como, então, situar as diferenças do que é uma coisa e do que é outra? Onde se situa o mérito de um e outro, e quais os pontos que os fundamentaram? Por que Mauro Silva e outros são representantes da mera burocracia? O que significa canhotismo excessivo? A vinculação de termos e idéias que não foram devidamente explicitadas, ou que não puderam ser entendidas ao certo, induzem os leitores a dar vida aos enunciados e tentar solucioná-los ou elucidá-los dentro de suas cabeças.
O que sobressai também é a questão relacionada ao sentido ou a condição de defesa. Por que parece que marcar é uma atitude burocrática? Nesse contexto, os burocráticos parecem se associar à disciplina tática e ao futebol europeu.
Outra constatação da Copa Ouro é que críticas surgiram em relação ao mau desempenho da seleção e várias foram as causas apontadas como responsáveis pelo resultado negativo obtido. A principal causa sugerida foi o treinador com a sua falta de competência técnica. Entre os comentários e argumentações vistas anteriormente no texto, Zagallo foi considerado superado. As causas e as críticas à derrota da seleção foram atribuídas predominantemente a questões de natureza técnico – tática.
Na análise de causas uma questão importante, sob a perspectiva da teoria do treinamento e preparação de equipes, pouco mencionada é a caracterização do contexto mencionado na página quinze. As condições onde tudo se originou podem ter contribuído para o resultado. Sob a perspectiva da teoria de planejamento e preparação de equipes, as condições apontadas poderiam ser fortes determinantes do resultado pois elas têm influência direta na qualidade técnico – tática. Sob a ótica dos manuais de treinamento, a harmonização técnico – tática da equipe tem como pré - requisito básico tempo suficiente para a preparação. Também o sucesso tático da equipe é dependente da qualidade técnica dos jogadores e do seu entrosamento. A pergunta a ser respondida é: se a responsabilidade da convocação de última hora e o pouco tempo de treinamento é unicamente ou parcialmente do treinador? Como já mencionado, os erros e os problemas técnico – táticos apresentados durante a Copa Ouro podem ser apenas decorrentes ou conseqüências previsíveis dessa situação. Sendo assim, permanece a hipótese aberta de que a análise dos erros técnico – táticos poderia ser conseqüência e não causa do resultado negativo. Caso isso se confirmasse, o responsável pela situação das convocações e condições de treinamento seria quem também deveria responder pelos resultados obtidos. Na posição de leitor – observador, não é possível responder essa questão. Objetiva-se, com a formulação dessas hipóteses, verificar em que medida pode-se excluir outras possibilidades, que não as questões de caráter técnico – tático e a incompetência técnica do treinador, como responsáveis principais pelos resultados da Copa Ouro. Com isso, pretende-se caracterizar o fato de que é muito difícil uma análise de situações, principalmente técnico – táticas, sem uma apurada análise de outros aspectos, nem sempre visíveis de contexto. A análise de questões técnico – táticas, fundamentadas principalmente no resultado esportivo, será ponto de análise posteriormente nas considerações finais da PARTE I.
15 Ver Folha de São Paulo, caderno 3 – p.10, em 18/02/98. Da sucursal do Rio.
16 Ver Zero Hora , p.62, em 18/02/98.
17 Ver Folha de São Paulo,, caderno 3 – p.12, em 19/02/98. Por José Geraldo Couto, da equipe de articulistas.
18 Ver Folha de São Paulo,, caderno 3 – p.14, em 19/02/98. Da reportagem local.
19 Ver Zero Hora, caderno de esportes, p.11, em 23/02/98.
20 Ver Zero Hora, caderno de esportes, p.45, em 24/02/98.
21 Parte da chamada promocional da Rede Globo de Televisão, elaborada especialmente para a Copa do Mundo de 98.
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