LABORATÓRIO DE ANÁLISE DOS CENÁRIOS ESPORTIVOS NA MÍDIA

Responsável: Prof. Antonio Guilherme Schmitz Filho

2.2.2 Apreciação da arbitragem

“...a reputação da arbitragem sempre foi o calcanhar de Aquiles do futebol. Diz um antigo provérbio dos estádios que o árbitro é um ladrão que rouba a gente na presença da multidão e ainda vai embora pra casa protegido pela polícia. Uma irreverência da qual a arbitragem sempre escapou graças ao exercício da dúvida. Foi, não foi. Errou, não errou.
Tudo acabava debitado à paixão do torcedor. Até que um dia surgiu a câmera da televisão, com lentes poderosas, pondo o dedo na ferida. O super slow, esse, então, está simplesmente acabando com a responsabilidade do árbitro. O super slow mata a cobra e mostra o pau....ai está o super slow que não nos deixa mentir. Os dois lances aparecem, quadro a quadro, mostrando o tamanho do disparate da arbitragem. Junior Baiano disputou a bola com a límpida intenção de afastá-la da zona de perigo, sem cometer um único gesto litigioso71.”


O jogo entre Brasil e Noruega foi bastante disputado e a sua definição aconteceu nos minutos finais. O Brasil saiu na frente, marcando o primeiro gol em movimentação iniciada pelo setor esquerdo, com Denílson realizando um belo cruzamento depois de se levantar de uma disputa com os zagueiros. A Noruega empatou minutos depois com uma investida do atacante Flo sobre Junior Baiano, cortando o jogo para dentro, vencendo o zagueiro e o goleiro brasileiro. Mas o que mais causou espanto foi a marcação do pênalti contra o Brasil, definindo o placar a favor dos noruegueses (2x1). Todas as emissoras, sem exceção, e conseqüentemente os jornais, acusaram o árbitro de ter punido injustamente a ação do defensor brasileiro, Junior Baiano.

Várias apreciações foram feitas sobre o lance e em todas o jogador brasileiro foi inocentado da suposta falta dentro da área, e o árbitro devidamente “crucificado”. Conseqüentemente,foram realizadas várias apreciações sobre o seu caráter, sua eficiência e outras coisas mais. Mas, infelizmente ou felizmente, existia no caminho uma equipe de tevê amadora da Suécia, que de um ângulo diferente dos até o momento visto, mostrava claramente um “puxão” do defensor brasileiro que provocou a queda do atacante norueguês. Portanto, toda aquela ladainha em torno do episódio foi desfeita. Ficou no ar uma sensação muito estranha de pressa.
A maior ênfase ocorreu nas transmissões de tevê. Na Rede Globo, no segundo tempo do jogo, a atuação do árbitro, no lance mencionado, foi caracterizada com a surpresa do narrador que comentou:
Galvão Bueno (Narrador) - Ele deu pênalti? Apontou prá li, no lance do Junior Baiano, diz que ele puxou, aos 42 minutos, Gonçalves diz que não foi, diz que foi no peito, quero ver de novo, que houve aí?

Arnaldo César Coelho (Analista de arbitragem) - Não houve nada!

Galvão Bueno - Esse juiz...

Arnaldo César Coelho - O juiz inventou o pênalti...

Galvão Bueno - Esse juiz é um gaiato, Arnaldo César Coelho, isso é um absurdo, um cidadão desses, prejudicar um país inteiro, como ele tá prejudicando Marrocos, é um absurdo. Apita uma Copa do Mundo, esse cidadão chamado Esfandiar Baharmast, Arnaldo.

Arnaldo César Coelho - O jogador da Noruega caiu dentro da área, levantou o braço pedindo pênalti. Não houve empurrão, não houve toque, não houve nada, ele apitou no grito, ele novamente por covardia, deu esse pênalti.

Galvão Bueno - No grito e atrasado Falcão.

Paulo Roberto Falcão (Comentarista) - É, ele tomou uma pressão de dois jogadores da Noruega, que ele mandou os caras afastar, deram uma pressão nele, primeira bola a levantar na área, aí ele fez esse erro.

Pelé (Comentarista) -... Mas, realmente, é um absurdo, absurdo, o que os árbitros estão fazendo, é uma coisa absurda, nós já falamos sobre aquele árbitro que deu 5 cartões vermelhos, agora eles tão doido, tão doido, não sabem o que tão fazendo, os árbitros aqui...


No debate, depois do jogo em inserção no jornal da noite, o analista de arbitragem da Rede Globo continuou afirmando que o lance do pênalti contra o Brasil não existiu, dizendo que:
Arnaldo César Coelho - Eu continuo mantendo a minha opinião, não foi pênalti, não vi em nenhum momento ele puxar a camisa, que justificasse a queda do jogador, Eu vi foi o seguinte, o jogador se jogar pra cavar um pênalti, porque o juiz era inseguro, nervoso, e sem personalidade, e que deu o pênalti coagido, pressionado, porque sabia que a Noruega precisava ganhar, e os jogadores estavam pressionando, só isso.
Agora a jornalista que conduzia o principal jornal da noite da emissora, provavelmente o de maior audiência no horário, perguntou em tom de inconformidade ao narrador e apelou para um parecer do técnico tetracampeão que compunha o programa de debate na ocasião:
Lilian Wite Fibe (Jornalista) - ...Galvão, é o seguinte, o Parreira foi o técnico do tetra, será que ele concordaria com a gente, a impressão que a gente tem aqui no Brasil, é a seguinte, o Brasil com o time dele, pode se submeter a um juizinho de um bar de esquina, que mal e mal sabe apitar uma pelada, quer dizer, o Brasil não tinha obrigação de ter um futebol prá ganhar de qualquer jeito, independente do juiz?

Galvão Bueno - Aí Parreira, prá você...

Carlos Alberto Parreira (Técnico) - Me parece que a FIFA quer prestigiar os juizes do

chamado terceiro mundo do futebol, eu vi um juiz dos Emirados Árabes, do futebol americano, do futebol chinês, do futebol coreano, não sei, eles realmente não têm nível prá isso, ainda

.

Na Rede Manchete de televisão, a avaliação feita foi de que o atacante norueguês havia

simulado o pênalti. O narrador disse o seguinte:

Paulo Stein (Narrador) - O Flo se atirou ali agora, e ele vai dar uma advertência, não é Armando, siga você narrando, narra isso aí, o que é que é?...Ele deu pênalti!?

Armando Marques (Analista de arbitragem) - ...Deu pênalti!

Paulo Stein - ...Mas esse tempo depois, Armando?

Armando Marques - ...Ele deu pênalti, ele já ia apitar, não apitou atrasado, ele estava

era longe da jogada, e ele considerou essa, do Junior Baiano


Paulo Stein - ...Mas não teve nada, rapaz!

Armando Marques - ...Rigorosamente nada, se ele deu pênalti, se equivocou, ele poderia era dar uma simulação do jogador da Noruega, mas ele deu pênalti, errada e equivocadamente, mas deu.

Paulo Stein - Sê viu aí a imagem de todos os ângulos, o Armando falando, o Junior Baiano com o braço pro alto, ele disse que o Junior Baiano puxou o cara pro chão...Esfandiar
Baharmast, árbitro americano...ele deve ter fugido do Irã antes dos 2 a 1.


Armando Marques - ...Não, Paulo. Ele fugiu do Irã antes da chegada do Komeini...

Paulo Stein - Vamo vê, Taffarel foi na bola, é gol. Gooool da Noruega Rekdal, na marca de

43 do segundo tempo. .73

Ainda na transmissão da Rede Manchete de Televisão, no debate depois do jogo, o analista de arbitragem avaliou novamente a atitude do árbitro em relação ao pênalti cobrado, e comentou, acionado pelo narrador que dirigia os trabalhos, o seguinte:

Otávio Mesquita (jornalista) - Oh Armando, o seguinte, esse juiz americano com

aquele nome esquisito, vai chegar em casa hoje, vai tomar um banho, ai ele vai...


Armando Marques - Será que ele toma banho?

Otávio Mesquita - ...Deve ser, deve tomar banho (risos), porque xingaram muito ele, agora te pergunto aqui, você com certeza já deve ter errado, acho que todo o juiz...

Armando Marques - Tenho um baú de erro!

Otávio Mesquita - ...Todo juiz erra...

Armando Marques - Eu tenho um baú de erros!

Otávio Mesquita - ...Ai eu pergunto, o juiz apitando, apitando, um jogo da Copa do Mundo, ele erra, ele vê no vídeo tape, aliás o Brasil e o mundo inteiro viu que foi um pênalti inexistente, o que que pensa, o que que passa pela cabeça do juiz nessa hora?

Armando Marques - Fica com vontade de dar porrada na sua própria cara!

Otávio Mesquita - ...Aaaa, verdade (risos), você já teve essa vontade?

Armando Marques - Muitas vezes...

Na Rede Bandeirantes de televisão, o pênalti marcado, também não foi aceito. E as seguintes considerações foram conduzidas:

Luciano do Vale (Narrador) - Que que ele deu? Deu falta do jogador da Noruega...

Roberto Rivelino (Comentarista) - Não, deu pênalti, Luciano...

Luciano do Vale - Mas é que ele fez o gesto e depois apontou prá marca do pênalti, mas não houve nada não, ó o lance aí ( chama atenção ao replay ), ó o lance aí...

Roberto Rivelino - Nada, nada, nada, Luciano!

Luciano do Vale - Nada, nada, nada! Por isso que eu estranhei, eu achei que ele tinha dado a falta do jogador, não houve nada, não houve nada, o senhor Esfandiar Baharmast arrumou um pênalti prá Noruega, pode classificar a Noruega...

Roberto Rivelino - Aí que tá, aquele problema que nós estávamos comentando, bota um juiz sem condição nenhuma prá apitar, meu Deus, prá que botar um juiz não qualificado, olha o que acontece, prejudica sensivelmente, apesar que o Brasil também, Luciano, seu Zagallo, poderia ter feito modificação, a gente cobrou, poderia ter mudado, arrumado o posicionamento, enfim tudo né, não foi pênalti, mas o juiz, taí, deu agora vamos ver o que vai acontecer.74


Na Rede Record de televisão, quando o pênalti foi marcado contra o Brasil, discutiu-se da seguinte forma:

Luis Alfredo (Narrador) - Que que ele deu? Ele deu pênalti, ele deu pênalti, aos 42 minutos, foi peito...

Sócrates (Comentarista) - Foi nada, não...

Luis Alfredo – Oh! Peito, o Junior puxou a mão, o braço, pra não tocar na bola, absurda, na minha opinião, na sua também, Doutor?

Sócrates - Foi nada.

Luis Alfredo - Carlos Alberto?

Carlos Alberto Torres – Ah. Eu não achei! Principalmente porque, pelos gestos do juiz, ele tava dizendo que o Junior forçou o braço nas costas do adversário, no ombro, e não foi nada disso, nós vimos aí perfeitamente. Agora, esse juiz é muito fraco, juiz dos Estados Unidos, futebol americano, não poderia ser de outra maneira 75.


O que se sucedeu depois do ataque ao juiz, foi uma grande retomada, tentando contornar o equívoco de julgamento divulgado pejorativamente e amplamente em relação à sua atuação. No jornal Correio do Povo, a indicação do erro jornalístico veio em subtítulo, indicando que: “TV prova que juiz acertou no pênalti”. O texto tratava da atuação de uma tevê Sueca, que comprovou que o juiz havia penalizado corretamente o time brasileiro; e assim como a maioria dos meios de comunicação brasileiros, vários jornais do mundo publicaram fortes críticas ao árbitro americano76.

No jornal Zero Hora, dois dias depois da derrota para os noruegueses, o título sentenciava: “O mistério da câmera sueca”
O texto usava de ironia, brincando com a fama dos filmes e revistas suecos que fizeram parte do passado de muito adolescente, agora adulto. Mas, brincadeiras à parte, a matéria destacou a lição jornalística que aconteceu na verdade, pois todo mundo saiu rapidamente sentenciando o juiz da partida, que, heroicamente, foi salvo de uma tortura prolongada pela bravura do cinegrafista sueco, que implacavelmente registrou o puxão dado por Junior Baiano em Tore André Flo dentro da área do Brasil77.
Todas as emissoras também mostraram o vídeo Sueco, tentando reverter ou ao menos amenizar o sentido do ataque desferido anteriormente. A questão é que um ajuizamento sem precedentes,ao vivo e com máxima audiência, foi realizado. Como, nesse caso, a retratação poderia reverter o quadro já posto e definido de maneira apoteótica? E, revisando os adjetivos criados na ocasião, juntamente com as funções e características agregadas e sugeridas, pergunta-se de que forma a figura do árbitro de futebol, como há muito já é estigmatizada, pode compor a estrutura do jogo de futebol de maneira coerente ou harmônica? Mesmo que muitos não queiram admitir ou aceitar, o árbitro serve ao contexto do jogo, dirigindo ou tentando fazer com que os acontecimentos transcorram da maneira mais razoável. Porém, mais do que qualquer outra figura que compõe o jogo, o árbitro serve para o extravasamento de situações típicas do jogo, como por exemplo, xingar a mãe do juiz. Isso não se verificou nos relatos acima, mas a construção de sugestões em torno do ocorrido pode até significar algo mais além do que um xingamento à mãe. Houve citações realizadas em programação de forte audiência, como o Jornal da Globo, por exemplo, avalizadas pela jornalista - narradora que conduzia o programa, que provavelmente estimularam a uma revisão do que pode acontecer em decorrência de um juízo feito apressadamente. Ela destacou com bastante veemência que, um
“juizinho de um bar de esquina” daqueles não poderia apitar um jogo do Brasil, pois o mesmo não teria capacidade de apitar uma


71 Ver Jornal do Brasil, p.11, em 25/06/98. Coluna: Na Grande Área, de Armando Nogueira. Título: Um Cheiro de Mentira.
72 Gravação da Rede Globo de Televisão, do jogo entre Brasil e Noruega e do debate depois do jogo, em 23/06/98.
73 Gravação da Rede Manchete de Televisão, jogo entre Brasil e Noruega, em 23/06/98.
74 Gravação da Rede Bandeirantes de Televisão, jogo entre Brasil e Noruega, em 23/06/98.
75 Gravação da Rede Record de Televisão, jogo entre Brasil e Noruega, em 23/06/98.
76 Ver Correio do Povo, p. 28, em 25/06/98.
77 Ver Zero Hora, encarte Jornal da Copa, p. 8, em 26/06/98. Por David Coimbra.
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