2.1.4 A campanha Brasileira na Copa OuroPassadas as primeiras etapas: convocação, preparativos e viagem, o selecionado nacional enfrentou o seu primeiro adversário. O resultado da partida foi: Brasil 0 x 0 Jamaica. Esse primeiro tropeço brasileiro não agradou muito, mesmo assim foi inicialmente considerado como uma lição para a equipe. O problema é que na segunda partida do grupo, o Brasil empatou novamente, e pior, frente a uma equipe que segundo apreciações jornalísticas não tinha nenhuma tradição futebolística (Brasil 1x1 Guatemala). Enquanto isso, o técnico brasileiro continuava acreditando nas chances da equipe na competição, e divulgava-as na mídia através de palavras de efeito e outras encenações, propagandeando sua defesa.
Na Folha de São Paulo, a paciência dos torcedores presentes ao estádio Orange Bowl, em Miami, foi enfocada em subtítulo como se tivesse chegado ao fim: “Time ganha vaia e palavrões.”
De acordo com o enfoque da matéria, o time brasileiro recebera vaias ao sair do estádio e os torcedores haviam chamado o treinador de “burro”. A elaboração dessa e de outras matérias parecem ser orientadas para trazer ao leitor a idéia de um apoteótico final, o que obviamente queria indicar “que algo deveria acontecer”12 .
Isso pode ser percebido na relação entre uma característica dada ao técnico via torcedores e manifestada no corpo da matéria, a condição de “burro”. Outro técnico, muito criticado e próximo a Zagallo durante os anos de preparação da seleção para a Copa do Mundo, recebeu esse adjetivo: Carlos Alberto Parreira, na Copa de 94, foi incansavelmente perseguido durante toda campanha também pela condição posta de “burro”. Claro que se pode considerar uma enorme coincidência essa relação, mas em se tratando de técnico da seleção brasileira, e observando a repetição de alguns procedimentos jornalísticos, pode-se ao menos indicar como uma possibilidade de indução, ou seja, como a própria palavra sugere, inspirar, incutir, encaminhar a idéia, quem sabe, a uma associação que passe a determinar uma dada conclusão. Por exemplo, se Parreira, técnico de 94, tinha como auxiliar ou coordenador Zagallo, e era chamado de “burro”, logo, Zagallo, técnico de 98, ligado a Parreira, também deve ser. Mas talvez isso seja apenas coincidência, ou uma interpretação do autor desse trabalho.
A notícia enfatiza o conteúdo da idéia mencionada no subtítulo e no corpo do texto. Se o autor pretendeu reforçar a idéia da associação do time com as vaias e palavrões e a do treinador com a de burro (incompetente, incapaz), o argumento contrário a essa interpretação seria a defesa que afirmava ser o subtítulo e o corpo da matéria apenas reflexo das manifestações observadas. Para se saber até que ponto esse argumento pode ser sustentado seria necessário análises mais profundas da questão, o que não ocorrerá nesse trabalho.
No prosseguimento da competição, a seleção venceu o jogo frente à equipe de El Salvador pelo placar de 4 x 0, se classificando como segundo de seu grupo. As demais posições foram: 1º Jamaica, 3º Guatemala e 4º El Salvador. Esse resultado encaminhou a seleção brasileira para a disputa da semifinal da competição com a seleção norte-americana. Mesmo vencendo com um placar considerado bom (4x0), a seleção e o seu técnico não convenciam totalmente. Alguns pontos surgiram na ocasião, em matéria da Folha de São Paulo, compartilhando com o encaminhamento de críticas que já se processavam no meio jornalístico há bastante tempo contra Zagallo. No texto de Alberto Helena Jr., da equipe de articulistas da Folha, quatro itens mereceram destaque, demonstrando os erros do técnico brasileiro. Foram eles:
“1) está escrito nas estrelas que ele é um vencedor; 2) até mesmo quando há tempo disponível, despreza os treinamentos intensivos e repetitivos, sobretudo para arrumar aquela zaga deficiente, por onde já desfilou uma infinidade de jogadores de todos os matizes, o que indica que não se trata de escalação, mas sim de sistema; 3) nega porque nega os males do canhotismo excessivo do nosso meio-campo, apesar das mais claras evidências em contrário; 4) convoca alguns jogadores por orelhada, como é o caso desse menino César, da Lusa, que entrou na maior fogueira”13 .
No texto, Zagallo foi acusado mais uma vez pelo excesso de confiança, a falta ou desleixo com treinamentos, a colocação de jogadores canhotos na posição “reservada” aos direitos e finalmente a convocação de jogadores por indução de terceiros, caracterizada por um termo que demonstra que o técnico chamava os seus escolhidos de acordo com sugestões feitas ao pé do ouvido por terceiros, de “orelhada”. Também o repórter faz uso da ironia como meio de crítica (ver item 1).
Na semifinal da Copa Ouro enfrentamos os donos da casa, os norte-americanos. E parece que as assombrosas profecias foram cumpridas, batemos com os burros n’água. Depois dos magros empates frente à Jamaica e Guatemala, e da reabilitação frente a El Salvador, sucumbimos na semifinal e perdemos por 1 x 0. O que pensar de agora em diante, o que esperar de uma seleção desse porte, e o que pensam nossos dirigentes e nossos atletas?
A Folha de São Paulo indicava que Zagallo achava que a culpa dos péssimos resultados foi indicada pela “síndrome dos gols perdidos”. Mesmo assim ele se dizia muito satisfeito e acreditava que a derrota serviria de lição para a preparação definitiva que se anunciava, e que, de maneira alguma, o bom futebol brasileiro poderia se abalar com o resultado do jogo.
Os jogadores por sua vez, segundo a matéria, achavam que “o time se preparou mal.”
Liberando de certa forma o ataque que se aglomerava frente ao técnico brasileiro, o jogador Romário chamava a culpa do que aconteceu para o seu desempenho, dizendo que a culpa foi sua pela quantidade de oportunidades que havia perdido de fazer gols. A matéria foi concluída com uma consideração que soou como reprimenda nacional, indicando que: “(...) Por causa da desclassificação, a TV Globo desmobilizou parte de sua equipe em Los Angeles e não deve transmitir a disputa do terceiro lugar, no domingo. (...)” Como a emissora pode ser considerada uma das mais importantes tevês de canal aberto brasileira, sua iniciativa demonstrou mais uma vez que o mais interessante para a construção da audiência é a vitória da seleção14 .
No andamento da competição, o Brasil acabou vencendo a disputa pelo terceiro lugar frente aos jamaicanos pelo placar de 1 x 0, a Globo também transmitiu o jogo, embora tivesse anunciado a possibilidade de não o fazer. O que se processou depois do campeonato foi uma avalanche de indicações a respeito da eficiência do técnico brasileiro, que culminou com a sua chegada ao Rio logo que a Copa Ouro terminou.
12 Ver Folha de São Paulo, caderno 3 – p.12, em 07/02/98. Matéria de Arnaldo Ribeiro, enviado especial a Miami.
13 Ver Folha de São Paulo, caderno 4 – p.2, em 08/02/98. Por Alberto Helena Jr., da equipe de articulistas
14 Ver Folha de São Paulo, caderno 3 – p.16, em 12/02/98. Por Arnaldo Ribeiro, enviado especial a Los Angeles. - Índice
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