LABORATÓRIO DE ANÁLISE DOS CENÁRIOS ESPORTIVOS NA MÍDIA

Responsável: Prof. Antonio Guilherme Schmitz Filho

2.2.1.5 Dunga e seu desempenho

O jogador Dunga, de todos os integrantes da seleção brasileira, provavelmente tenha sido o jogador que mais ataques tenha sofrido por parte da imprensa brasileira. Sua imagem ainda possui as marcas que lhe foram atribuídas pela campanha brasileira na Copa de 90. Dunga, apesar de seu desempenho, sempre é lembrado e relacionado àqueles tempos. Essa alcunha lhe foi imposta pela crítica jornalística, que o perseguiu e o responsabilizou pelo desempenho do Brasil na Copa de 90. A seleção era dirigida por Lazzaroni que, segundo a imprensa, jogava na “retranca e não tinha criação”60 . Dunga e o seu estilo de jogo foram associados à idéia, ou ao perfil, que segundo a imprensa fora imposto por Lazzaroni. Por isso, a Copa de 90 ainda é lembrada pela “Era Dunga”. Não bastasse a exposição pública a que foi submetido o jogador, seu estilo de jogar é sempre vinculado para caracterizar o defensivismo e o futebol burocrático. Isso pode ser exemplificado com textos resgatados da campanha de 94.

“....A convocação de Branco ou Dunga não deve causar estranheza. Desde 1970, os técnicos quase sempre fazem opções difíceis de entender. Em 70, o Técnico Zagallo causou polêmica com a convocação do centroavante Dadá Maravilha. Dizia-se, à época, tratar-se de uma imposição do governo militar. Zagallo até hoje nega qualquer tipo de influência61 ...”

“....Quem, com pureza d’alma, pode crucificar o Brasil de 78, que voltou invicto da Argentina? Seleção decadente deve perder pelo menos uma!!! Nas Copas de 82 e 86, o mundo inteiro reconheceu: tínhamos o melhor time e o melhor treinador, Telê. Sobra, então, 1990, na Itália. O técnico Sebastião Lazzaroni foi apresentado como um PC Farias e a “era Dunga”, simples expressão que identifica o futebol sem firulas, virou crime de lesa futebol.”

“...perdemos, porém, para uma jogada genial de Maradona. Até àquele “acidente de percurso”, o Brasil jogou muito melhor e o execrável Dungassário do defensivismo meteu uma bola na trave62 .”


Essa maneira de apreciar o jogador Dunga, também foi enfocada na Copa da França. Isso pode ser visto nas seguintes abordagens jornalísticas:

No Jornal do Brasil, na coluna de Armando Nogueira, intitulada: “Um Cheiro de Mentira”

O jogador foi analisado da seguinte forma:

“...Dunga sempre soube desarmar, mas nunca soube armar. Uma coisa é destruir outra é construir. Por seus pés passaram mais de dois terços das bolas de ataque e de contra – ataque, bolas convencionais, passes banais, inconseqüentes e horizontais63 ...”

Assim, Dunga parece não escapar de apreciações que procuram relacionar o seu desempenho a conceitos criados no passado (futebol burocrático, defensivismo, estilo duro de jogar, carregador de piano). Isso foi possível perceber durante as transmissões dos jogos do Brasil.
A atuação do jogador foi avaliada da seguinte maneira no Sistema Brasileiro de Televisão, no jogo frente à Escócia:

Sílvio Luis (narrador) -... acho que não estamos nem acreditando que fizemos um a zero, esse que é o negócio.

Juarez Soares (comentarista) - É, o time tem tudo, pra ficar tranqüilo. O Dunga até que tá distribuindo bem a bola, agora é preciso que o Giovanni acorde pro jogo, né.


Depois que Dunga discutiu com Bebeto no jogo frente ao Marrocos, seu comportamento foi bastante destacado no Sistema Brasileiro de Televisão.

Juarez Soares (comentarista) - O Dunga tá doidinho, o Dunga tá doido, tá tendo crises homéricas, grita demais, por quê? Porque ele sabe que o Brasil perdeu o meio campo, o time de Marrocos tá pressionando muito, e o Brasil, ao invés de se acalmar com a bola, tá entrando numa gritaria aí, desnecessária, é só tocar a bola, que é o forte do futebol brasileiro, prá gente poder colocar os nervos no lugar, perdemos o controle total do meio campo64 .

A disposição de Dunga em campo no jogo contra Marrocos, é pauta de análise novamente no SBT.

Juarez Soares (comentarista) - ...Então ele vai dizer, Dunga, estava tão bom como eu posicionei você, Dunga, nos primeiros 20 minutos, fica quietinho meu filho, entre a meia lua, entre a risca da grande área e a intermediária, não sai daí não, deixa que o Doriva corre, o resto do pessoal corre, posiciona, ajusta a defesa, que tira um pouco o espaço desse time, e continua com o 3 a 0, se é que os dois da frente do Brasil ainda não vão fazer mais um, mas precisa ficar esperto no jogo, o Dunga não agüenta correr atrás, olha aí.

Sílvio Luis (narrador) - É a idade também que vai chegando...

Juarez Soares - Então, ele sabe se posicionar, tem experiência suficiente, não precisa sair correndo atrás do Marrocos65 .


No jogo frente à Noruega, o comentarista do SBT volta a analisar Dunga na organização tática, dizendo que:

Juarez Soares (comentarista) - O Brasil tem um lado positivo que é o bom posicionamento do Leonardo, e o Rivaldo fazendo bem o peão, só que o Rivaldo tá cometendo um erro, de vez em quando ele bota a bola pro Dunga, o Dunga dá um chutão prá frente, isso não interessa prá seleção brasileira, quando o Rivaldo domina e mete a bola prá dentro da área, ou pro Ronaldinho ou pro Bebeto, é quando dá resultado e a defesa da Noruega se apavora, quem tem que meter essa bola é o Rivaldo, não adianta lançar de 30 metros de profundidade que a defesa da Noruega tá fazendo a marcação, é só isso 66.

Na partida contra a Noruega, no debate depois do jogo, na Rede Bandeirantes, Dunga foi questionado em seu comportamento depois do episódio da discussão com Bebeto, da seguinte maneira:

Luciano do Vale (narrador) - Mas tem um detalhe aí, Gerson e amigos, que além dessa exibição você vê que tem coisas dentro da seleção que não estão no lugar certo. Por exemplo, o Dunga, ele veio à forra. Isso que ele colocou ali foi uma forra, chamou o Zagallo de professor pela primeira vez, de público né....

Armando Nogueira (comentarista) - Tem outros líderes...

Luciano do Vale - Tem outros líderes o time, porque a imprensa toda, porque o Leonardo agora é líder, porque é isso, é aquilo, então, ele foi com essa cabeça prá dentro do campo, esse é um lado que eu queria colocar, o Zagallo parece que não viu o jogo da seleção, ou então como diz o Armando, ele tá chamando o povo brasileiro de bobo e nós de bobo.


Um dos comentaristas, ainda no debate da Bandeirantes, fala a respeito do desempenho de Dunga.

Armando Nogueira - ...uma das coisas que distingüi o futebol brasileiro dos outros, é uma coisa chamada alternação de ritmo, ora é lento, ora é uma disparada, ora é meia bomba. Essa equipe é um cantochão , ela sai no mesmo ritmo, porque a batuta tá na mão do Dunga, que recebeu mais de trinta bolas no círculo central prá dar seguimento à jogada; aí eu me lembrei do Di Stefano conversando com um amigo meu essa semana, falando do futebol de hoje. Ele disse o seguinte: Sabe o que me espanta no futebol de hoje, é que a bola, quando sai da defesa, para ela chegar na área do adversário, quando ela chega já é de noite...


Mesmo com todas essas apreciações negativas do jogador, ele também recebeu algumas avaliações positivas. Isso pode ser visto no jogo em preparação para a estréia da Copa, em transmissão da Rede Bandeirantes de Televisão, um dos comentaristas salientou:

Roberto Rivelino (comentarista) - E o Dunga tem que voltar rapidinho. Por incrível que pareça, o Dunga faz uma falta incrível para acertar esse setor de meio de campo...

Na estréia da Copa, dentro do debate realizado depois do jogo pela Rede Bandeirantes, a atuação do volante Dunga foi discutida, pelo seu envolvimento no lançamento para o gol de desempate.

Gerson (comentarista) - ...Eu discuto sempre o Dunga tecnicamente...

Roberto Rivelino (comentarista) - Mas foi perfeito hoje...

Gerson - Tecnicamente, hoje eu não posso discutir o Dunga. Ele foi simplesmente brilhante, a gente tem que dizer o que é...

Luciano do Vale (narrador) - Ele meteu uma bola de trinta metros, seu Gerson...Agora vou dizer uma coisa para vocês, o Gerson fala com essa naturalidade, até o Zito olhou aqui como quem diz, mas que máscara, mas não é, eles falaram mesmo com o Dunga, os dois aí conversaram, e o Dunga, o Dunga se abriu para os dois, tem que explicar isso para o telespectador, a humildade do Dunga...

Gerson - Claro, e nós falamos isso, e eu perguntei a ele, porque você, eu discuto tecnicamente você, taticamente não, mas tecnicamente eu discuto você, porque que você não, não faz um lançamento ali, porque que você não chega um pouco mais ali, porque você não faz uma tabela. E hoje ele fez tudo, então eu tenho que assinar embaixo, cara, se eu estou discutindo uma coisa, que ele não faz, na hora que ele faz, eu tenho que apoiar...68


Na Rede Manchete de Televisão, o comentarista, durante o jogo frente aos chilenos, enfocou as qualidades de Dunga dizendo que:

Milton Neves (comentarista) - Olha Paulo. Dizem que o Dunga tem pé duro, só sabe liderar. Quem é que deu a bola pro Cafú dar o gol da vitória ao Brasil contra a Escócia? Quem é que lançou a bola, cruzou a bola com muita habilidade e precisão pro Sampaio hoje? É uma pena que o Dunga esteja no fim de carreira...

O coordenador da seleção brasileira via em Dunga um jogador com qualidades importantes para a seleção, ele dizia que:

... “O Dunga é um dos poucos que sabem ver o futebol dentro do campo. Ele conduz o jogo com inteligência, sabe o momento certo de trocar passes curtos ou meter uma bola longa. Por isso ele é tão importante.”69

As considerações que se fizeram ao longo da carreira do jogador Dunga, foram vinculadas a concepções de jogo ditadas pela imprensa, como citado no início. Sua imagem se construiu em cima de conceitos ou sentidos que deram conta de:
— Sugerir que uma limitação existia no desempenho do jogador associada a concepções já formadas.
— Não acrescentar mais informações que possibilitassem outra compreensão da forma de jogar de Dunga.

Mesmo que suas qualidades fossem enfocadas, o jogador nunca foi analisado em um contexto mais abrangente que possibilitasse uma reversão da idéia já posta. Dunga parece não ter um reconhecimento devido em relação a sua maneira de jogar. Isso colabora, impedindo que um alcance mais amplo se dê em direção à idéia ou a uma concepção de esporte que permita a compreensão da dinâmica de jogo. Pode-se correr o risco de cada vez mais limitar uma apreciação própria de jogo, destacando suas partes em detrimento do todo. Ou seja, o jogo perde sua essência e o seu aspecto de coletividade. Se for levado em conta cada vez que Dunga é depreciado, toda uma parte do jogo (defesa), onde atua o jogador, é deixada de lado ou menosprezada.

Departamento de Desportos Coletivos
Universidade Federal de Santa Maria
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