2.2 Copa do Mundo2.2.1 A apreciação da notícia em fatos relacionados com os jogadores
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2.2.1.1 O corte de Romário
No intervalo entre o jogo de Bilbao e a partida frente à seleção de Andorra, Romário foi cortado da seleção. O jogador não havia treinado com bola desde que chegara à França, devido a uma lesão. Esse episódio foi explorado pela mídia na forma de conflito, e a comissão técnica da seleção brasileira foi o principal foco das divergências apuradas pela imprensa. O que se constatou foi o seguinte:
No jornal Folha de São Paulo, o caso foi apresentado com o seguinte título: “Caso Romário racha e deprime a seleção”.
Abaixo desse título, vinha uma foto de Zico, Américo Faria e Zagallo. A disposição dos elementos na foto dava a impressão de que Américo Faria se colocava de maneira a intermediar, de estar entre Zico e Zagallo. Zico, na foto, olha para um lado e Zagallo para outro, eles pareciam estar divergindo, pelo menos no olhar (ver anexo E). O texto dá conta de uma crise no interior da comissão técnica da seleção brasileira. Os personagens são dispostos em: o a favor da permanência de Romário, e o contrário a sua permanência. Segundo o texto, Lídio Toledo afirma que definitivamente não haverá mais cortes, portanto, é o personagem a favor da permanência de Romário. Zico é apresentado como o personagem contra a permanência de Romário, pois, como sugere a matéria, ele “deseja fim rápido”. A matéria afirma que Zico não se sentia seguro em relação ao caso e era favorável a uma solução mais rápida e precisa, pois a situação de Romário, segundo ele, não inspirava segurança para a composição do grupo prestes a ingressar na competição. Assim, quando questionado sobre a situação do corte na seleção e de quem seria a decisão, ele respondia: “A bola está com a comissão técnica, é arriscado ficar com alguém parado há três semanas para prepará-lo durante a Copa”22 .
O jornal Correio do Povo, em manchete de capa, indicava: “Zagallo já admite cortar Romário”
O texto salienta que Zico persuadiu Zagallo para a “eliminação” do jogador da lista de convocados. Zico é apresentado em foto na última página, sozinho, colocando a mão na frente, como se quisesse afastar algo (ver anexo F). Nessa mesma página, um subtítulo equilibra a foto de Zico pelo lado esquerdo, indicando o descontentamento do jogador Romário com o coordenador: ‘Ele quer me prejudicar’. O texto descreve que Romário telefonou a um amigo da FSP e desabafou, e mais, salienta no final uma denúncia do atacante, “Zagallo não quer que me tirem. Zico quer me ver fora já para que o time possa se recuperar a tempo23 .” Nessa breve apreciação, já se pode perceber que Zico começa a figurar ou ao menos adquire uma posição antagônica às duas outras figuras, que dado os fatos, passaram a ser importantes (Lídio e Zagallo). O técnico e o médico, em nenhum momento são apresentados como opositores de Romário e sua permanência na seleção. Zico é apresentado como a figura que sempre cogitou a possibilidade de se observar melhor a situação definitiva do atleta e instigava seu corte.
A Folha de São Paulo também sugere esse pensamento através da ênfase em matéria que salienta: “o Coordenador é influente”. O texto, na seqüência, indica que Zico já havia feito três “vítimas” desde que assumiu. O jornal enfatiza que, mesmo que Romário, nessa ocasião, ainda não estivesse cortado, e os outros integrantes da comissão técnica afirmassem que não haveria cortes, Zico foi quem sempre lutou para que isso se confirmasse. Outras vítimas de Zico são apresentadas pelo texto, como por exemplo, Denílson, que por sugestão do coordenador teria sido preterido por Giovanni para jogar junto com Rivaldo, tendo em vista a convivência dos dois no Barcelona. O texto indica que Giovanni, mesmo afastado da seleção, foi convocado para compor o grupo da Copa e confirmado como titular. Isso seria uma obra do coordenador. O jogador Juninho, cortado, teria sido mais uma das vítimas de Zico24 .
Sobre a temática “vítimas” do coordenador, o jornal Correio do Povo destacou que “Zico teria também cortado Juninho” , e destacou o parecer do fisioterapeuta Nivaldo Baldo, responsável pela reabilitação de Juninho, um ataque direto ao coordenador. Em menção a Baldo, a matéria afirma que Lídio Toledo telefonou a Juninho e disse: “Se você é meu amigo, e está jogando isso tudo após a contusão, não se preocupe, pois estará no grupo que irá para a Copa” . Na matéria, o fisioterapeuta teria afirmado que o responsável pelo corte de Juninho foi Zico. Segundo o jornal, o fisioterapeuta teria ainda afirmado que o coordenador sofreu um “trauma” com a lesão do passado (Copa de 86). Zico teria sido convocado lesionado e, de acordo com o fisioterapeuta, isso teria limitado a sua avaliação em relação à recuperação de outros atletas. O jornal conclui expondo que a pessoa que possibilitou a Zico tamanha influência foi “Zagallo que abaixou a cabeça diante da imposição de Zico, complementando que Lídio Toledo e Paulo Paixão não fizeram valer as informações colhidas em Madrid para avaliar o meia”25 . O episódio a que se refere o fisioterapeuta foi por ocasião da viagem que Lídio Toledo e Paulo Paixão fizeram à Espanha para observar a primeira partida de Juninho depois da recuperação. Na ocasião, Lídio confirmou que o jogador estava bem e que sua participação na partida transcorreu normalmente.
Nesse contexto Romário foi cortado. Antes, porém, através das várias manifestações da mídia, houve uma pressão enorme em torno do caso Romário. Foram semanas de exploração e enfoque polêmico do assunto por parte da mídia. Na maioria das vezes, a tônica da reportagem ficou mais no sentido e nas suposições existentes nas entrelinhas dos textos e das matérias.
Constata-se que Zico foi bastante exposto no caso, por seu posicionamento frente à situação e pela exposição dada pelos meios de comunicação. Isso já havia ficado bem evidente através das matérias apuradas nos jornais.
O narrador Edu Lima da Rede Record de Televisão, em cobertura, apresentou a matéria e tratou o episódio da seguinte forma:
- A comissão técnica da seleção não quer mais confusão sobre o assunto Romário, Zagallo disse hoje como vai ser daqui pra frente.
Eli Coimbra (repórter) - Melhorou Romário?
Zagallo - Oi!
Eli Coimbra - O Romário melhorou?
Zagallo - Presta atenção. Romário, evidente que quem escala o time sou eu, mas porque houve tanto burburinho, tanto bochincho, nós indicamos uma pessoa para falar sobre o problema do Romário, o Zico quando vier por aí, preste atenção! O Zico depois que eu falar, vai falar sobre o Romário ( risos ), se vai ser cortado, se não vai ser cortado, o que é que é. É com ele, vamos dividir o negócio.
Depois dessa declaração apurada junto a Zagallo, o repórter vai de imediato a Zico e pergunta:
Eli Coimbra – “Ô Zico, porque de repente você é que vai resolver o problema...”
Zico interrompe imediatamente o repórter: - Eu não vou, não vou resolver não...
O repórter rebate: Pô! O Zagallo falou que é você...
Zico novamente interrompe: Depende como você coloca, eu não vou resolver não! Eu vou falar sobre o caso, não é resolver, o problema, quem resolve, é toda uma comissão técnica.
O repórter repete: Só você que fala!
Zico revida: Olha a colocação.
O repórter insiste: Só você que fala!
Zico: Hoje, eu falo do caso, de que no dia 2 nós vamos definir a lista dos 2226 .
Destaca-se na entrevista acima, a falsificação da fala de Zagallo quando da entrevista com Zico (fala x resolve problema). Nesse ponto, fica ainda mais clara a tentativa de apontar Zico como o único responsável pela decisão de afastamento de Romário. Sugere que tudo o que aconteceu ao jogador ocorreu por vontade de Zico.
A conseqüência imediata do afastamento de Romário foi possível de se verificar através das ameaças proferidas a Zico. Cenas na televisão mostraram, por ocasião da chegada de Romário ao Rio, garotos vestidos com a camisa do Flamengo, rasgando um pôster de Zico quando esse usava a camisa do Flamengo. Depois de rasgado o pôster, os meninos fizeram menção de comer os pedaços, numa clara alusão de agressividade a Zico. Mesmo que essa manifestação tenha sido considerada de uma minoria, as imagens enfocaram e, conseqüentemente, valorizaram muito a questão. Estimularam assim, de certa forma, uma apreciação que reforçava a situação de Zico como “vilão”.
Por sorte, não se tem notícia de agressões a Zico e a sua família. Porém, não era descartada a possibilidade de que alguma manifestação mais forte de revolta, por parte de torcedores fanáticos, viesse acontecer.
Na tevê Globo, segue a cobertura ao corte de Romário e às polêmicas envolvendo o assunto. A emissora apresenta uma matéria que conta como o corte do jogador foi anunciado pela comissão técnica, e complementa com a coletiva dada por Romário à imprensa. Nesse ponto, o apresentador da emissora comenta que Romário, magoado e decepcionado, insinua que alguém não o queria na seleção. O jogador aparece falando o seguinte: “a tristeza de uns é a alegria de outros”. Organizando um desfecho para a história do corte, a mesma emissora sugere uma conduta para o que aconteceu dentro da comissão técnica. O médico Lídio Toledo faz o papel de quem apostava na recuperação do atleta e indicava segurança ao técnico quanto à recuperação. Zico faz o papel da voz que convence Zagallo de que Romário teria de ser cortado. Nesse momento, uma imagem em plano médio é apresentada, em que Zico está entre Lídio e Zagallo. Então surge a pergunta: QUEM O CORTOU? Logo depois o narrador que ancorava os telejornais da França, Willian Boner, destacava uma matéria feita por Pedro Bial, que visava apurar o aumento da autoridade de Zico e como o coordenador agiu dentro da comissão técnica. A matéria começa, então, pelo vexame da Copa Ouro e pela saída encontrada pela CBF, nomeando Zico como coordenador de Zagallo e, conseqüentemente, usando da credibilidade que o ex-jogador possuía. Pedro Bial salientou:
Pedro Bial (repórter) - Zagallo engoliu! Seria a nomeação do “Galinho ” apenas um golpe de marketing? Seria Zico a voz do presidente da CBF no vestiário? Seria muito barulho por nada? O que seria, seria, a personalidade forte de Zico foi se impondo aos poucos.
A matéria prosseguiu e foi conduzida por entrevistas que Pedro Bial fez com Zico. Numa delas, sugeriu que Emerson foi convocado por indicação de Zico, que ao contrário de Zagallo, incluía Denílson entre os atacantes da seleção, achando, por isso, mais importante a convocação de um reserva para César Sampaio. À frente, Pedro Bial relacionou a determinação e o arrojo de Zico como atacante no passado, com a frieza, a discrição à quase invisibilidade do coordenador na atualidade. Ressaltou que o coordenador estava se revelando: “...um dirigente com determinação de Gaúcho e táticas mineiras”, ao qual o próprio Zico respondeu, dizendo: “...eu sou carioca”.
Galvão Bueno, narrador oficial da emissora, em inserção no jornal da noite, fala das mudanças na seleção brasileira depois do corte de Romário e salienta que “...muda também o equilíbrio no comando da comissão técnica, ficando evidente, a cada dia, a ascensão, a autoridade de Zico...28 ”
No jornal Correio do Povo, o título destacava: “Romário chora na despedida”. E as mesmas articulações feitas por outros jornais e emissoras são exploradas em relação às disputas anunciadas no interior da comissão técnica. Zagallo foi apresentado como aquele que proporcionou a Romário todas as chances. Lídio e Zico disputaram também, na articulação da diagramação, quem melhor conduzia o olhar do leitor para a foto de Romário chorando (ver anexo G). Uma relação entre o que foi pronunciado no dia 28 de maio e no dia 02 de junho (dia do corte), pelos três personagens do conflito, se destacava em cima das fotos. E, mais uma vez, Zico foi apresentado, pelas palavras de Romário, como o grande vilão, como alguém que queria prejudicá-lo. E a legenda da foto de Zico sacramenta: “Zico saiu fortalecido do polêmico episódio.”29
Em síntese, pode-se dizer que algumas emissoras condenaram a atitude dos torcedores, outras, não. As imagens agressivas de revolta e descontentamento com Zico foram bastante exploradas. Muitas vezes, sem se posicionar sob o aspecto da agressão, reportagens sobre possíveis ameaças à família do jogador também foram ventiladas.
Foi claramente constatada a intenção de tematizar um desequilíbrio no interior da comissão técnica da seleção. Lídio Toledo e Zico foram os protagonistas dessa disputa que culminou com o corte do atleta. Por mais que alguns meios indicassem a situação de que Zico fora prejudicado com a sua exposição no caso, ele, segundo os próprios meios, parecia por outro lado ter assumido uma condição de destaque dentro da comissão. Zagallo foi novamente atingido, pois a maioria das sugestões indicavam haver uma nova voz de comando na seleção, e que essa voz era de Zico.
22 Ver Folha de São Paulo, caderno 4 – p.1, em 29/05/98. Por Alexandre Gimenez, João Carlos Assumpção e Marcelo Damato, enviados especiais a Ozoir-la-Ferrière.
23 Ver Correio do Povo, Capa e p.28, em 29/05/98.
24 Ver Folha de São Paulo, caderno 4 – p.4, em 31/05/98. Da reportagem local.
25 Ver Correio do Povo, p. 23, em 04/06/98.
26 Gravação da Rede Record de Televisão, inserção no jornal da Record (meio dia), cobertura da Copa em 30/06/98.
27 “Galinho de Quintino”, apelido carinhoso de Zico, nos tempos em que jogava profissionalmente futebol.
28 Gravação da Rede Globo de Televisão, do programa Globo Esporte (inserção ao meio dia) e jornal da noite, cobertura da Copa em 04/06/98
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